segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Aburatorigami

Hoje resolvi falar de algo bem original ^^ Espero que gostem!
Andava eu a passear por Quioto quando vi uma loja de papeis muito fininhos... Achei estranho e entrei.
Todos os papeis tinham direito a uma bolsinha. Como esta do Tarepanda. Aliás, quando a comprei, nem sabia o que era, pensei que fosse um bloquinho de notas :P

Era uma loja enorme que só vendia papel extremamente fino, quase transparente mas de variadíssimas cores.  Dei umas voltas, tentei ler as placas, mas não percebi. As pessoas que lá compravam, levavam umas 20 folhas daquilo, com uns 5 cm cada, dentro de uma bolsinha.
Inicialmente, ainda pensei que seria uma loja de papel para artistas, mas não com papel daquele tamanho...
Mistério...!

Bom, quando voltei a Tóquio, já habituada aos distribuidores de lenços, numa rua dão-me os ditos lenços do lado esquerdo e do lado direito uma bolsinha de papel finíssima. Sorri e agradeci. 

Como já disse no post sobre os lenços, estes são distribuídos na rua como forma de publicidade a tudo e mais alguma coisa. Mas esta foi nova: algo que se chamava 'face paper for girls & boys' (como podem ver na foto) mas que faz publicidade a uma escola de condução! Cena marada... abri e tinha lá os tais papeis mega-finos! 

Até que perguntei à minha host-family.
Um pacotinho de 'face paper' ou aburatorigami serve para tirar a gordura da cara. E disse eu: "Mmm, ok, não tou bem a ver a coisa, mas há assim tanta gente que use, para se justificar haver lojas só disso quando até dão na rua?"
E sacam todos (pai, mãe, 2 filhos e 1 filha) das suas bolsas, carteiras ou mochilas um pacotinho de aburatorigami! São embalagens de 30 folhinhas com 7x10cm.

Ou seja, toda a gente usa pois com o tempo que se passa nos transportes, a cara de uma pessoa fica transpirada e com gordura e, por isso, toda a gente, homens ou mulheres, crianças ou adultos, se preocupam em estar sempre no seu melhor! Agora imaginem o que é satisfazer essa tropa toda, considerando os vários tipos de pele e depois os vários tipos de papeis que daí saem!

Lá experimentei a coisa e, realmente, o papel fica com uma mancha de gordura.  A explicação é que remove o excesso do óleo da cara que leva à obstrução dos poros e que, por isso, pode até substituir cremes de beleza.  

Então, comecei a reparar que até nos grandes museus havia disso à venda nas lojas deles, com umas bolsinhas mais bonitinhas, claro está. Trouxe alguns de lembrança (é leve, barato e original).

E como surgiu esta coisa? Pois, tem toda uma história, mais uma vez!!!

O aburatori-gami, ou à letra "o-papel-de-mancha-do-óleo-da-cara" (facial oil blotting paper, em inglês, caso queiram pesquisar),  aconteceu por um mero acaso no Japão Imperial de há uns 1000 anos. 
Quando Quioto ainda era a capital do Japão, entre 794-1192 d.c., os artesãos de ouro usavam uns papeis especiais artesanais, os hakuchii-gami, para proteger o ouro que seria martelado até se transformar numa folha fina, a fim de revestir a mobília da nobreza ou os majestosos templos, como é o caso do belíssimo templo Kinkaku-ji em Quioto. 
 
Esses artesãos, comentavam que sentiam como se as mãos tivessem tomado um banho por andar a manipular aquele papel :P 
E surgiu esse rumor....
Na mesma altura, foi construída a primeira grande casa de teatro em Quioto, a Minamiza. Como, obviamente, não havia ar condicionado nessa altura, os actores de kabuki tinham uma grande dificuldade em manter a enorme maquilhagem direita devido ao suor e à gordura da cara. Assim como as geisha. 
Dessa necessidade e desse rumor, surgiu o Aburatori-gami, inventado pela casa Yoji-ya, que ainda existe actualmente.
 
As geisha e os actores de kabuki, continuam a usá-los, séculos após séculos...!
Por ter sido inventado em Quioto, este tornou-se uma lembrança típica da cidade. É de notar que, normalmente, para os japoneses as lembranças, regra geral, são sempre doces ou bolinhos. 

E as cores do papel, são as cores da natureza à volta da cidade de Quioto ^^
Supostamente, após usar o aburatori-gami com frequência, a pele fica perfeita para usar maquilhagem assim como fresca como uma pétala de rosa!

E, como não podia deixar de ser, a charmosa Hello Kitty vestida de quimono não poderia deixar de ter umas embalagens lindas de aburatori-gami ^^

A da HK e do Petit Garden (imagem acima) comprei-a na Japonmania e na From Japan with Love, duas lojas muito simpáticas que mandam vir os artigos directamente do Japão, e nunca param na alfândega :)


quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Os sem-abrigo


Mais um assunto sério a caminho...
Bom, quando se vai de férias, talvez por estarmos maravilhados pelo local, raramente vemos ou reparamos nas pessoas sem-abrigo. No entanto, quando se fica a morar mais algum tempo, começamos a reparar nisso.

Pois até os sem-abrigo japoneses são diferentes. Não que tenha falado com algum, mas há coisas que passam sempre.

Para dar um pouco de contexto, Tóquio tem cerca de 13 milhões de habitantes nas 23 freguesias, dos quais 4000 são sem-abrigo. O Japão terá, no total, 24000 sem-abrigo. A taxa de desemprego está pelos 3%, considerada alta para eles.

Digo "terá", pois não é um número muito certo. Como nalguns países mais puritanos (ex.: G.D. Luxemburgo), o governo tende a não divulgar ou publicar mais especificamente os problemas graves do país. Por isso, as pessoas também tendem a não ter noção do que se passa. 

Mas o que notei foi um grande à vontade por parte das pessoas sem-abrigo. 
Primeiro, não vi NINGUÉM a pedir dinheiro.

Segundo, se estivessem na rua, não incomodavam ninguém. NUNCA.

Bom, de tal maneira à vontade que um estava apenas com roupa do umbigo para cima (sim, para cima, leram bem), e andava perfeitamente à vontade, assim como ninguém na rua se metia com ele. Fiquei um bocado chocada, obviamente...

As pessoas na rua, nem olhavam de lado. Não sei se isso é exactamente bom ou mau, mas o facto é que parecia haver um certo respeito. Digo eu.

O governo municipal de Tóquio fornece umas tendas azuis, que montam sempre em parques grandes, a servir de abrigo a quem não o tem. Cada tenda é suposto abrigar 5 pessoas.

Certa vez, estava eu a sair do metro no parque Ueno (aquilo é mesmo muito grande) e não sabia qual era a saída que me interessava. 
Quando cheguei cá fora, estava no parque, sim, mas parecia mais que estava num parque de campismo, pois via-se tendas, fogões a gás, bicicletas, mesas com chávenas de chá, cadeiras, futons...
E o pormenor mais engraçado: todas as tendas tinham o calçado "à porta"!!!! Como em qualquer casa japonesa.
Depois deste episódio, comecei a reparar nas tendas azuis em mais sítios. E, apesar da situação de vida, tudo parecia arrumado e limpo. E, digo, com certeza o "limpo" pois, vi um senhor sair de uma tenda e ao chegar cá fora, começar a varrer o chão em frente à entrada da tenda! 

Do que me disseram, uma forma de terem algo mais numa noite mais fria é, tendo algum dinheiro, por 10€ passar a noite nas kissaten ("cafetarias" com internet, televisão, mangas, bebidas e chuveiros).  Ou então, ficar nas estações de comboio ou metro até estas fecharem - das 01h às 05h da manhã ficam fechadas.

E, as lojas de conveniência ou konbini (muito diferentes das que conhecemos cá - explicarei isso noutro post) quando têm comida fora de prazo dão aos sem-abrigo pois, por lei, não a podem pôr à venda. É chato ser fora do prazo, sim, mas para quem nada tem, acho que é uma melhor solução do que, pura e simplesmente, deitar fora.

Apesar da vida lhes ser complicada, mantêm as regras de educação quanto ao outro na via pública. Esse espírito mantém-se, do que me disseram lá. O ajudar, o não incomodar os outros.

Cheguei a ver, em bancos de jardim, pessoas a dormir (sem abrigo ou não) e que punham os sapatos no chão em frente ao banco, como estivessem à vontade em casa ^^ E não, ninguém lhes rouba os sapatos.

Como devem imaginar, não tive lata de tirar fotos a nenhuma "aldeia de tendas" (como eles chamam)... No passeio de barco pelo rio Sumida cheguei a passar bem perto de uma série de tendas, no entanto, não tirei foto... Vejam aqui uma foto bem tirada.


Em 2009, deu-se o "Incidente Coala" em Osaka que gerou uma certa revolta: o jardim zoológico de Osaka, financiado pelo governo, comprou 6 coalas à Austrália, que lhes custa cerca de 1 milhão de euros por ano em alimentação. Sendo que a maior percentagem de pessoas sem abrigo do Japão se encontra em Osaka e, que esta decisão de comprar os coalas foi escolhida entre ajudar os sem abrigo locais (!!).... acho que podemos adivinhar que ficaram muito chateados com esta decisão...
Protestaram, sim. Mas não houve confusões. Mais uma vez, até zangados e com razão, sabem manter a calma.

E, já agora, para quem não conheça vejam o filme Tokyo Godfathers, do grande Satoshi Kon (recentemente falecido, R.I.P.) pois trata a história de 3 sem-abrigo de forma brilhante e com uma trama divertida!





quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Os Sarariiman


A pedido de vários alunos e amigos, resolvi voltar ^^
Bom, não com o relato do costume, da minha experiência lá, pois já passaram uns anos.... Mas com as coisas fantásticas que vou sabendo lá daquelas bandas! Espero que gostem na mesma :)

Por isso, resolvi falar de algo um pouco mais terra-a-terra.

Salaryman ou assalariado, é uma pessoa que tem um contrato com uma empresa e, que por isso tem um salário fixo.  Até aqui, tudo faz pensar num trabalho qualquer. Pois, mas no Japão, as coisas não são tão lineares quanto isso. Aliás, são os salarymen que fazem o Japão avançar, dizem os próprios japoneses.

Mas para se ser um salaryman, tem que se seguir certas regras, das quais: cabelo curto e com risca a 70% da dimensão total cabelo; se se usar óculos, estes têm que ser de metal, quadrados e pretos; gravata preta ou vermelha escura com riscas na diagonal; camisa branca; fato azul escuro ou cinzento; sapatos pretos de pele; pasta preta quadrada; no bolso direito interior do casaco, levar a agenda, a carteira, o passe e os cartões de visita. 

Apenas a pasta é que tem alguma variedade, e pode ser de 4 tipos: a dita quadrada, uma bolsa com alça (semelhante às de senhora), uma pequena bolsa de levar na mão, e pequenos sacos de viagem triangulares para quando têm que dormir no trabalho.

Mas como é então o dia-a-dia destes indivíduos?
O típico salaryman vive nos arredores e, por isso, demora cerca de uma a duas horas de comboio até ao emprego. Levanta-se de madrugada, arranja-se, toma o seu pequeno-almoço enquanto lê o jornal, e sai. 

E com pequeno-almoço, quero dizer o tradicional pequeno-almoço japonês que contém um ovo cru, arroz simples ao vapor, sopa miso, peixe estufado ou marinado, 2 ovos estrelados ou mexidos, 2 torradas e café. Se a esposa tiver menos tempo,  põem-se os restos do jantar com a sopa miso e o café. Como pude comprovar na minha estadia lá :P

Já dizem os nutricionistas, que a refeição mais importante é o pequeno-almoço!

Cerca de 10 milhões de pessoas dirigem-
se aos centros de negócios de Tóquio logo pela manhã, o que torna a viagem muito cansativa só para chegar ao trabalho: entre o tempo que se demora, as filas para aceder ao metro, os empurrões, o ir extremamente apertado, ter que ir de mãos no ar (para não criar situações embaraçosas quando alguém é empurrado contra si) , não ficar chateado com as pisadelas ou as cotoveladas, não colocar nada no arrumo da carruagem pois depois será impossível de recuperar, dobrar o jornal de uma maneira muito específica de forma a não incomodar as outras pessoas, tirar o som ao telemóvel...

E, geralmente, ainda têm que fazer um pequeno percurso de bicicleta. Neste caso, as coisas são mais simples: a Câmara, ou empresas, fornecem um serviço de bicicletas gratuito à saída de todas as estações de metro ou comboio. As bicicletas não precisam de ser devolvidas onde as pegámos, basta deixar na estação mais próxima! Muito práticos, mais uma vez.

São poucas as pessoas que têm carro e, não se justifica, pois há transportes para todo o lado. Além de que, quando resolvemos comprar um carro, só nos é permitido (por lei)  fazê-lo se provarmos que temos lugar de estacionamento quer no local de trabalho, quer em casa. 
O movimento na estrada é maioritariamente táxis, carros com motorista e camionetas de entregas. Os táxis são de evitar, pois são extremamente caros: em 2004 (quando lá estive) ir dos subúrbios ao centro da cidade ficava por 250€!!!

Assim que, finalmente, se chega ao trabalho há a reunião matinal, sendo diferente em todos os empregos. 
Se se tratar de trabalhos em obras, na reunião revê-se as regras de segurança, assim como uma sessão de ginástica de aquecimento, de forma a aumentar a vontade e o espírito de trabalho; para vendedores, as reuniões são para explicar ou relembrar a estratégia de ataque; para os trabalhadores dos shoppings, faz-se uma revisão às regras de educação para com o cliente, treinando sempre alto e bom som o "bem-vindo" para quando as portas se abrem.
Note-se, que os shoppings são diferentes dos nossos: enquanto nós temos lojas individuais, eles têm um espaço amplo e aberto com balcões de todas as lojas, como se vê no El Corte Ingles, e a maior parte dos shoppings na europa (Printemps, Marks & Spencer, etc).

Só as grandes empresas de importação/exportação é que raramente têm essas reuniões, pois o início da manhã serve para ler o jornal enquanto se bebe café, de forma a estar sempre actualizado quanto às notícias. Hehe, malandros.

Apesar da maior parte das empresas ter refeições baratas
na cantina, os trabalhadores preferem ir a bares de Soba (massa de trigo sarraceno, que se come gelada), ou de Ramen (massa com caldo, legumes e carne servida numa grande malga), enquanto que os trabalhadores recém-casados trazem de casa o seu aisai-bento (à letra: lancheira da esposa dedicada). Quem trabalha em obras, geralmente come na cantina, e depois fazem algum desporto, num campo de desporto perto.

Quase todos os empregos requerem horas de trabalho extra (que não é pago, mas o trabalho necessita ser feito) e, por isso os restaurantes que estão perto, geralmente, fazem entregas para quem fica a trabalhar. Para os trabalhadores se manterem acordados, há sempre café, chá e bebidas energéticas (feitas com pele de cobra e outros ingredientes exóticos) na empresa.

Quando o salaryman perde o último metro, tem a escolha entre dormir num sofá do trabalho ou dormir num hotel-cápsula (hotéis com camas tipo cacifos - são muito baratos, mas não há grande conforto nem espaço).

Quando se sai a horas do emprego, de forma a aliviar o stress, vai-se para bares, izakaya (tascas) ou salas de karaoke. Muitas vezes nas izakaya há um limite de tempo, isto é, fica-se 2 horas, pelo que se paga um preço fixo, e pode-se beber à vontade. No entanto, quando não existe este limite de tempo, um salaryman não se pode ir embora enquanto o seu chefe também não for. 
Resultado: o salaryman chega tarde a casa e, provavelmente, bêbado. Isso é um facto muito engraçado: de manhã, estão todos rígidos no metro, com as caras super-sérias e a olhar sempre na mesma direcção, enquanto que depois das 23h vê-se os mesmos fulanos todos bêbados a cantar e a arrastar-se  pelo metro :P

Algumas empresas têm um programa especial para os salaryman recém-empregados no primeiro emprego: o gasshuku (em inglês "training camp"), que consiste em juntar as pessoas num retiro na montanha, onde dormem num só quarto, preparam a comida e comem juntos, estudam e praticam desportos, de forma a tornarem-se adultos responsavéis em comunidade. Algumas empresas utilizam métodos educacionais extremos e únicos.

Os salários, ou kyuuryou, são determinados pela idade e pelo currículo de cada um.

Há muito mais factos e regras engraçadas na vida destes trabalhadores, mas por hoje já chega.